terça-feira, 30 de novembro de 2010

Artigo: Ótica Meio Ambiente 02

Escrito por José Marcelo
Tecgº em Saneamento e Recursos Hídricos


Nos artigos publicados ultimamente em relação ao meio ambiente da cidade de Icapuí, tenho percebido uma profunda preocupação a respeito dos enclaves que há muito já aconteceram más que hoje ainda carregam nítidas e dolorosas imagens a respeito do não compromisso com o lugar em que vivemos.

O conceito de sustentabilidade é recente, isso quer dizer que em períodos em que ocorreram os desconcertos físicos tais como a abertura e o fechamento de canais nas áreas no ecossistema manguezal da Barra Grande para dar lugar às salinas não o foram realizados com planejamento considerando os preceitos de conservação ambiental.

A abertura e o fechamento de canais provocaram numa série de mudanças nas relações físico-químicas como as trocas de matéria e energia (carreamento de sedimentos, regularização dos índices de oxigênio dissolvido, temperatura do solo/água, salinidade, ph da água/solo etc.) que engloba os vários componentes que formam este ecossistema e claramente os aspectos biológicos (extinção, ou pelo menos o desaparecimento de muitas espécies, como, por exemplo, as marrequinhas).

A construção do porto da Barra Grande foi sem dúvida um grande passo para o desenvolvimento econômico local e longe de ser considerando avanço turístico e/ou ambiental. Como pode ser turístico? Onde o que lá se encontra é lixo das mais variedades possíveis, entre os quais, isopor, produtos químicos como solventes, tintas, betumes e os tóxicos como as baterias que são descartadas ali mesmo nas margens do canal. E como pode ser ambiental considerando apenas a ótica do lançamento de tais resíduos em toda a extensão do porto?

A área de manguezal que envolve as praias da Placa, Barra Grande, Requenguela e se estende até a praia da Barrinha foi quase que completamente arrasada para dar lugar às salinas e às fazendas de Camarão. Hoje ainda é possível identificar como se comportava a vegetação de mangue e restinga naquelas áreas assim como os canais de maré. Estudos indicam o ecossistema manguezal como um dos biomas com maio capacidade de resiliência do mundo. No nosso caso, temos exemplos disso, como um antigo reservatório para criação de camarão situado na praia do Requenguela (Imagem 01-A e 01-B) que não funcionou e foi abandonado.

Com o abandono deste reservatório e apenas a liberação da passagem da água para o mesmo de acordo com a elevação das marés (entrada e saída da água) possibilitou uma auto-regeneração incrível deste ambiente. Isso prova que não é preciso grandes investimentos para reabilitar estas áreas que se encontram abandonadas, apenas permitir a entrada e saída da água para estes locais fez com que, aos poucos, as condições físico-químicas fossem regularizadas e a fauna e flora pudessem novamente surgir.

Os projetos que sondam novamente estas áreas (os que se encaixam dentro da federalização do Porto da Barra Grande e o parque eólico) devem ser estudados com bastante atenção, pois é possível desenvolver sem afetar o ecossistema, foi por isso que surgiu o conceito de desenvolvimento sustentável. As atividades que se implantaram ao longo dos tempos são consideradas de impacto negativo de elevadíssima magnitude para o meio ambiente, com conseqüências quase que irreparáveis. Qualquer novo projeto para estas áreas deve contemplar, e devemos exigir, outros projetos que seriam os de reabilitação das áreas degradadas que se encontram hoje abandonadas, e claro, sem afetar as poucas áreas que se encontram preservadas, até porque eu acredito que o pequeno manguezal da Barra Grande não tem mais sustentação para suportar mais degradação, de tão fragilizado que ele se encontra.

Frisando um pouco sobre o projeto do parque eólico, este possui um grande acervo infra-estrutural para atingir e completar definitivamente a listagem de impactos em nosso manguezal. Um projeto desta natureza deve receber a opinião da sociedade através das audiências públicas para esclarecimento sobre os pontos positivos e negativos que o mesmo oferece.

Já que estamos falando em meio ambiente quero envolver outros contextos. Vamos citar as queimadas, que pelo contrário, de como alguns pensam, devemos sim nos preocupar com as queimadas descontroladas que vez em quando tingem o céu azul de Icapuí de cinza, acabando com o pouco da reserva da vegetação da caatinga que temos, pois isso não implica de nos preocuparmos também com outras questões mais diretas como saúde, educação, segurança e as drogas. Vamos falar sobre construção em áreas de risco e de proteção permanente, onde me parece que quem tem um certo poder aquisitivo pode sim, construir mesmo contra a lei, como vem acontecendo nas dunas e falésias de nossas praias e ao longo do tabuleiro (serras de Icapuí, Cajuais, Olho D’água etc.). E por que não citar o lançamento de esgoto sem nenhum tratamento diretamente no solo, contaminando nossas águas subterrâneas, pois o sistema de tratamento individual composto pelas fossas sépticas não funciona, uma vez que, as mesmas são construídas fora dos padrões técnicos, constituindo-se então como fossas negras. Seria importante citar também a coleta e destino final dos resíduos sólidos, onde o que temos na verdade é um lixão a céu aberto que recebe resíduos de todas as naturezas, inclusive o hospitalar.

É meu amigo, para um município que luta para receber o Selo Verde está precisando melhorar, ou melhor, está necessitando revisar o seu conceito sobre respeito ao meio ambiente, ou então o que seria este tal Selo Verde?

A minha opinião é que “não devemos chorar pelo leite derramado”, mas também não podemos permitir que ele continue derramando e lutar pelo compromisso para com esta causa. O nosso município precisa de atuação através da secretaria de meio ambiente (SEDEMA), fiscalizar e punir de acordo com a lei para quem não as cumpre e se não fizer, que façamos nós mesmos, protestando através das marchas em nome do cumprimento da lei e respeito à natureza.

Um comentário:

A Cidade Icapuí disse...

Parabéns Marcelo, excelente artigo.

É importante conhecermos detalhadamente o desgate ambiental sofrido historicamente pelo nosso manguezal.

Especialistas no assunto, como o geógrafo Arimateia Silva (que já escreveu brilhantemente sobre esse tema) e agora José Marcelo, nos mostram a fragilidade do ecossistema manguezal e permanente interferência humana nessa área. O mangue, aos poucos e mediante grandes esforços de pessoas como vcs, apresenta sinais de recuperação. A instalação de novos empreendimentos nesse local requer além de estudos,laudos, etc, uma dose de "sentimentalismo ambiental", levando em conta que que muitas organizações com fins lucrativos mundo afora estão faturando muito mais quando adotam uma política de preservação ambiental.

Parabéns ao José Marcelo e ao Arimateia por levantarem com propriedade a bandeira da proteção ao meio ambiente.