Pescador de manzuá vazio não é mais novidade na Redonda
31 de outubro de 2012 23h58
Por Jose Orenstein
Em janeiro de 1962, o pesqueiro francês Cassiopée capturava lagostas na costa do Nordeste quando foi apresado pela corveta Ipiranga. Deflagrou-se uma disputa diplomática incensada pela opinião pública. Os brasileiros reclamavam que os gauleses pescavam com rede, enquanto eles só usavam o covo – variação do manzuá, até hoje usado na Praia da Redonda, no Ceará. Os líderes dos dois países, Jango Goulart e Charles de Gaulle, tiveram de se acertar para evitar um confronto militar. Os franceses acabaram batendo em retirada e encerrou-se a Guerra da Lagosta –sem mortos ou feridos.
Meio século depois, a história se repete, invertendo a máxima:
primeiro foi farsa, agora é tragédia. No pequeno município de Icapuí, no
Ceará, dois moradores da Praia da Redonda e um da Barrinha morreram na
disputa pelo crustáceo. O confronto teve início em 1989, quando barcos
motorizados começaram a ameaçar a pesca de barco a vela da Praia da
Redonda. “A gente passa 6 meses preservando e eles passam 12 pescando”,
diz o pescador da Redonda Eduardo Batista, de 47 anos, que reclama da
falta de fiscalização no período do defeso, quando a pesca da lagosta é
proibida.
Há dois anos, ele e os companheiros caçaram em alto mar 11 barcos
motorizados que pescavam com ajuda de compressores. Jogaram todos na
terra e até queimaram um deles. A Polícia Federal interveio e interditou
a embarcação dos redondeiros.
A violência amainou este ano, Um muro pintado na rua da Praia na
Redonda pede paz. Só que a inédita escassez de lagosta aumentou a
rivalidade latente.
Após o dia na água, os pescadores da Redonda reúnem-se no coreto a
beira-mar (que chamam de Boca do Povo) para jogar baralho e assuntar.
Ali eles tramaram retirar os seus manzuás do mar antes do defeso, para
evitar mais prejuízo de voltar de mãos vazias – gastam com isca e
refeição a cada saída.
Eles planejam ficar 18 meses sem pescar lagosta. Mas insistem que não
adianta pararem de tirá-la do mar se não houver quem impeça a pesca
predatória nas praias vizinhas.
Cabe ao Ibama policiar a pesca ilegal, porém o trabalho da agência
esbarra nos poucos recursos. A superintendência do Ceará tem apenas um
barco para cuidar de 573 quilômetros de costa – com mais de cem pontos
de desembarque e 1.943 barcos autorizados a pescar lagosta. A embarcação
sai uma vez por mês e passa 15 dias no mar com fiscais e policiais
ambientais armados com balas de borracha. Em setembro, a tripulação de
um barco flagrado pescando com rede se encapuzou, cobriu o nome com
graxa e foi para cima do Ibama. “Não afundaram a gente por milagre”,
conta Rolfran Ribeiro, coordenador da fiscalização. “Trabalho há 30 anos
nisso. Não damos conta.”
Na Redonda, e também nas praias vizinhas, a lagosta é a ocupação
natural dos homens. No mar e na areia – em barracas de praia, montadas
para receber turistas da vizinha famosa Canoa Quebrada, que sobem nos
bugs e disparam pelas areias e famintos. Na barraca do Carlinhos, a
suculenta lagosta, frita no alho e óleo, sai por R$ 40. Mas nem todos
podem investir no comércio. “Criei meus filhos no mar, mas eles estão
com medo de criar os deles também”, diz Francisco Pereira da Silva, de
53 anos. O Bolsa Família ajuda, mas não é suficiente, diz Francisco, que
recebe R$ 70 por mês, mas diz gastar R$ 90 só com eletricidade na casa
onde mora com cinco filhos. “A gente vive do mar. Do jeito que está não
vai dar. Já tem gente passando fome.”
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