sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Barrinha de Mutamba: a praia que o mar engoliu

Comunidade luta contra o avanço do mar enquanto aguardam a construção de um muro de contenção

Foram quatro dias de intenso esforço coletivo dos moradores da praia da Barrinha contra a força do mar. Desde a última segunda-feira (17/01), dezenas deles se mobilizaram na construção de barreiras com sacos de areia, na tentativa ilusória de conter o poder destrutivo das ondas. Esse avanço do mar em direção às casas já preocupava os moradores da comunidade há muitos anos. No entanto, nenhuma medida preventiva foi tomada e o mar, aos poucos, foi se aproximando das residências. O alvoroço se tornava maior sempre durante os meses de janeiro, onde as ondas atingem sua altura máxima. Com o acalmar das ondas, acalmava-se também a preocupação dos moradores. Aí, um novo janeiro trazia suas ondas vorazes novamente e dava-se início a uma nova correria contra o avanço da maré. Este ano o mar chegou próximo demais e, pela primeira vez, derrubou as primeiras casas e deixando outras com a estrutura comprometida. Foi o alerta vermelho para que a comunidade realmente acordasse para o perigo vindo de seu esplêndido mar azul. Para a maioria, este mesmo mar é a única fonte de renda vinda da pesca da lagosta. Hoje, a extensa faixa de areia que dividia a vila de pescadores do mar, virou um amontoado de escombros.

A situação de calamidade da praia da Barrinha exigiu das autoridades públicas, de certa forma omissa durante todo esse tempo, ações imediatas para a remoção dos que ainda resistiam em abandonar as casa ameaçadas pelo mar. Como solução a médio prazo, foram disponibilizados recursos da ordem de R$ 5 milhões para construção de um muro de contenção,  de casas populares para os desabrigados e uma nova escola (veja matérias sobre o assunto publicadas neste blog). A comunidade recebeu a visita de técnicos da Defesa Civil que avaliaram a situação como crítica e, junto com os moradores, elaboraram um plano de ação imediato para "segurar" o mar até que essas obras sejam iniciadas. Mas o mar não deu trégua aos moradores e suas ondas avançaram ainda mais na já tão destroçada comunidade - os sacos de areia apenas amorteceram as ondas.  


No plano de ação da Defesa Civil consta a remoção dos moradores da área de risco, a demolição das casas já atingidas e das casas que poderiam desabar a qualquer instante. Assim, a comunidade decidiu demolir todas as construções que ficavam nessa faixa. Entre elas a escola onde funcionava o Centro de Educação Infantil. Desde ontem, uma máquina retroescavadeira reduz anos de trabalho desses moradores a pó em questão de minutos.

A casa verde da foto ao lado, ou que restou dela, foi uma das últimas a ser abandonada pelos moradores, que só saíram hoje pela manhã. Pude ver de perto a aflição de quem está prestes a perder o pouco que construiu durante uma vida inteira. Os donos da casa ameaçada retiravam seus pertences às pressas, enquanto a máquina aguardava para colocá-la a baixo. Em poucos minutos a vista da praia, que antes era tapada pelo restos de casas, surgiu com seu horizonte imenso, seus barcos ancorados e uma brisa inédita. Era um novo cenário que se erguia diante dos olhos úmidos dos que cresceram e viram crescer cada parede derrubada. 

Mas, ainda faltava demolir a escola da comunidade. Há vinte anos, moradores ajudaram na construção da escola que recebeu o nome de Telina Maria da Costa. Com a ameaça do mar, por questões de segurança, a escola foi desativada e seus alunos foram transferidos para outra escola na Serra de Cajuais. Mais do que uma escola, aquele prédio representava muito da história da comunidade. Ali aconteciam reuniões da associação de moradores, festas da comunidade e encontros da juventude na quadra de esportes, engolida pelo mar no ano passado.

A "morte" da escola foi lenta. Primeiro os moradores, em comum acordo, retiraram todo e qualquer material que pudesse ser reaproveitado na construção da sede da associação de moradores. Do telhado, a madeira e as telhas estavam quase todas em bom estado de conservação. Ver a escola "desnuda", descoberta, era o anúncio de que em pouco tempo tudo aquilo viraria poeira. 

Aqui, um garoto ajuda no desmonte da escola que  um dia foi seu local de aprendizado, brincadeiras com colegas e tinha na vista da janela a imensidão do mar. Certamente, não teve tempo de aprender que esse mar causaria tanto estrago em sua comunidade. 

Retirado o que ainda podia ser útil, era chegada a hora de todas as histórias vividas na escola virem ao chão. A máquina "destruidora" demorou pouco mais de trinta minutos para transformar paredes em entulho que serviu apenas para preencher a cratera que ameaçava engolir a escola. De uma forma, ou de outra, o destino estava traçado e a escola findaria no mesmo amontoado de destroços. Na parede de uma das salas de aula, o quadro ainda exibia um pequeno texto escrito a giz. Contava a história de um jacaré que vivia na lagoa, não no mar. Agora ele deve habitar somente na imaginação das crianças que ali estudaram e que hoje viram o quadro desaparecer, da mesma forma que o giz some com o apagador. Nesse instante, algumas mães deixavam cair algumas lágrimas.


Essas demolições na praia da Barrinha foram necessárias para prevenir possíveis desabamentos. Existem outras construções no lado oeste da praia, que também estão no plano de demolições, entre elas, dois prédios de dois pavimentos cada. Os proprietários das casas demolidas receberão uma casa nova, constante no projeto, ou serão indenizados. Por enquanto, os que perderam suas casas mudaram-se para casa de parentes ou alugadas. Uma das famílias mudou-se para o prédio do PETI da comunidade.


A solidariedade e a união dos moradores da praia de Barrinha é indiscutível. Nesses quatro dias de trabalho pesado, grande parte da comunidade se mobilizou e trabalhou em conjunto. O bom humor estava sempre presente, mesmo nas horas mais "dolorosas" para eles e para quem assistia. O drama dos moradores acabou atraindo muitos curiosos de outras comunidades, que passavam para ver de perto o estrago causado pelas ondas e acompanhar o esforço coletivo da população. Algumas proferiam palavras de apoio às familias atingidas, afinal, somos todos conhecidos e muitos do que estão em situação difícil são nossos amigos.

Alguns moradores afirmavam constantemente que não acreditavam na construção dessas obras. Para eles, isso é apenas mais uma promessa. Eles temem que toda essa mobilização tenha sido em vão e que no final o mar vença. A sensação de medo é compreensível. Para quem visitou a praia da Barrinha durante esses dias, pôde perceber que a situação é realmente preocupante e que é natural essa apreensão que eles sentem. Como conforto, os moradores se apegam a garantia dada pelos que estão à frente desse projeto de reconstrução da praia da Barrinha, que asseguram iniciar as obras nas próximas semanas.

Fotos e texto por Claudimar Silva

4 comentários:

Marquinhos disse...

Claudimar.
Parabens pelo contexto da obra, maravilhoso, o texto esta informativo e emotivo.

A Cidade Icapuí disse...

Obrigado Marquinhos,

Hoje no Diário do Nordeste tem matéria de capa sobre a situação da Barrinha. Ontem o jornalista Melquiades Junior passou o dia lá vendo de perto a realidade da comunidade. Segundo ele, em breve fará um caderno regional sobre o avanço do mar.

Abço!

amadeu disse...

gostaria de mim solidarizar com a comunidade de Barrinha ,e parabenizar o prefeito Ir.edison o veriador Lacerda filho e o Dep.federal Jose Airton cirilo pelo compromisso com nossa gente principalmente as mais necessitadas deste município.

obs: não vejo ninguém da oposição se manifestar sobre o problema, da Barrinha e das outras comunidades afetadas pelas mares .

Grupo Arte Brasil disse...

ESSA É UMA BOA IDEIA CLAUDIMAR DESSE Melquiades FAZER UM DIARIO regional sobre o avanço do mar.