Escrito por Rubenísio Borges de Carvalho,
Assessor Parlamentar
Faleceu terça-feira última, no Hospital Municipal de
Aracati, vítima de pneumonia, Neóbia Borges dos Reis, 77 anos, tia por parte da
família de minha mãe, Anaídes, 80,
a quem resta apenas a última irmã, Maria, 73. Neóbia era
a quarta de 7 irmãos, prole do casal João e Maria Borges dos Reis.
Professora primária da época de Icapuí distrito, tia Neóbia
ensinou as primeiras letras a muitos icapuienses de calças curtas. Filhos ela
nunca teve, mas nem por isso se furtou de dar amor a nós, sobrinhos, e aos filhos
de parentes e pessoas amigas próximas ao convívio familiar. Pessoa de hábitos
simples, tia Neóbia era de fácil convívio e de amabilidade singular. Que Deus a
tenha em bom lugar a seu lado.
Ainda sob a consternação da morte de um ente tão querido,
resolvi escrever estas palavras para fazer de minha revolta uma reflexão que
julgo importante, tendo em vista o momento atual em que vivemos.
Moradora da Mutamba de Icapuí, tia Neóbia é do tempo em que
o chão da nossa terra era batizado de Caiçara, distrito de Aracati. Não é
preciso nem dizer que, da varanda de sua casa, na beira da CE-261 que leva ao
Centro, ela testemunhou as muitas mudanças pelas quais Icapuí passou ao longo
das suas quase oito décadas de existência terrena. Bem mais tempo que os 27
anos de emancipação da cidade.
Mesmo com a assistência da nossa família, me é triste
admitir que tia Neóbia morreu à míngua. No Hospital Municipal de Aracati, com
quadro de hipoglicemia e pneumonia, acompanhamos o seu sofrimento por sete
longos dias. Em um hospital quase que completamente sem condições de
funcionamento, tivemos de adquirir até algodão e dipirona sódica, entre outros
medicamentos e insumos hospitalares para o tratamento dela. Isso resume, em
parte, o “atendimento” a que ela teve “direito” na cidade que um dia já foi
capital do nosso Estado.
Tia Neóbia morreu, infelizmente, vítima da incúria e do
retrocesso. Para atestar o que digo, vale aqui uma rápida digressão. Quando
ainda era distrito, ou melhor, curral eleitoral da família dos Costa Lima,
Icapuí viu milhares de filhos e mães perecerem por culpa do atraso. Como não
tinha hospital nem maternidade, seus moradores eram obrigados a buscar
atendimento em Aracati ou Mossoró. Ao se aproximarem os períodos eleitorais, lá
vinham um médico e um dentista para amarrarem os votos em troca de assistência
precária e ilusória.
Veio a emancipação e a situação começou a mudar. Hospital,
maternidade e postos de saúde foram construídos e os cidadãos do município
passaram e ver melhoradas suas condições de vida, nesse e em outros setores.
Icapuí ficou conhecida até fora do país por práticas cidadãs e inclusivas.
Vinte anos se passaram até que o povo resolveu mudar. E escolheu novas pessoas
para governarem a cidade.
Como nem tudo que muda é para melhor, a realidade está aí,
batendo na nossa cara. Icapuí regrediu. Tia Neóbia morreu porque o único
hospital de Icapuí não tem condições de internar uma pessoa! Por um instante,
comparada com a Icapuí ainda distrito, a morte de tia Neóbia ocorreu porque
vivemos problemas parecidos com os dos tempos do reinado da família dos Costa
Lima. Diferente daqueles tempos, quando não havia a mínima estrutura de
atendimento, assistimos ao desmonte do que existia. Culpa de quem?
Minha tia morreu e, entre os primeiros sentimentos difusos
que afloraram, me veio a lembrança da eleição recente, quando Jerônimo, que é
meu primo, se elegeu prefeito. Subtraídos o calor e a emoção da refrega
eleitoral, e respeitando a opinião de quem foi contrário, fiquei a pensar: como
alguém pode ter defendido a continuação do que aí está? Como pode alguém
justificar tamanha incúria e irresponsabilidade com o que é público, com o que
é da – e para – a coletividade?
Talvez por tudo isso a diferença na votação tenha sido tão
grande. Mais do que uma resposta àqueles a quem cabia cuidar do povo, e que
pouco fizeram da necessidade e da miséria alheia, a mudança de agora mandou um
recado direto a Jerônimo e aos que o ladeiam. Como primo do prefeito eleito,
posso dizer que ele é consciente da responsabilidade e da “batata quente”, no
bom sentido, que lhe caiu nas mãos.
Não se trata aqui de transformar a minha tia em mártir de um
discurso politizado ou torcedor. Claro, torço pra Icapuí voltar a sorrir. Não
se pode perder de vista uma coisa: o que está em jogo é a VIDA das pessoas. E
com a VIDA não se brinca. Boa sorte a Icapuí.
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Um comentário:
Firmamos nossa solidariedade à família. Importante artigo, expressa a realidade com muita propriedade. Abraço Rubenizio.
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