sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Artigo: Sobre Tia Neóbia, incúria e retrocesso

Escrito por Rubenísio Borges de Carvalho, 
Assessor Parlamentar

Faleceu terça-feira última, no Hospital Municipal de Aracati, vítima de pneumonia, Neóbia Borges dos Reis, 77 anos, tia por parte da família de minha mãe, Anaídes, 80, a quem resta apenas a última irmã, Maria, 73. Neóbia era a quarta de 7 irmãos, prole do casal João e Maria Borges dos Reis.

Professora primária da época de Icapuí distrito, tia Neóbia ensinou as primeiras letras a muitos icapuienses de calças curtas. Filhos ela nunca teve, mas nem por isso se furtou de dar amor a nós, sobrinhos, e aos filhos de parentes e pessoas amigas próximas ao convívio familiar. Pessoa de hábitos simples, tia Neóbia era de fácil convívio e de amabilidade singular. Que Deus a tenha em bom lugar a seu lado.

Ainda sob a consternação da morte de um ente tão querido, resolvi escrever estas palavras para fazer de minha revolta uma reflexão que julgo importante, tendo em vista o momento atual em que vivemos.

Moradora da Mutamba de Icapuí, tia Neóbia é do tempo em que o chão da nossa terra era batizado de Caiçara, distrito de Aracati. Não é preciso nem dizer que, da varanda de sua casa, na beira da CE-261 que leva ao Centro, ela testemunhou as muitas mudanças pelas quais Icapuí passou ao longo das suas quase oito décadas de existência terrena. Bem mais tempo que os 27 anos de emancipação da cidade.

Mesmo com a assistência da nossa família, me é triste admitir que tia Neóbia morreu à míngua. No Hospital Municipal de Aracati, com quadro de hipoglicemia e pneumonia, acompanhamos o seu sofrimento por sete longos dias. Em um hospital quase que completamente sem condições de funcionamento, tivemos de adquirir até algodão e dipirona sódica, entre outros medicamentos e insumos hospitalares para o tratamento dela. Isso resume, em parte, o “atendimento” a que ela teve “direito” na cidade que um dia já foi capital do nosso Estado.

Tia Neóbia morreu, infelizmente, vítima da incúria e do retrocesso. Para atestar o que digo, vale aqui uma rápida digressão. Quando ainda era distrito, ou melhor, curral eleitoral da família dos Costa Lima, Icapuí viu milhares de filhos e mães perecerem por culpa do atraso. Como não tinha hospital nem maternidade, seus moradores eram obrigados a buscar atendimento em Aracati ou Mossoró. Ao se aproximarem os períodos eleitorais, lá vinham um médico e um dentista para amarrarem os votos em troca de assistência precária e ilusória.

Veio a emancipação e a situação começou a mudar. Hospital, maternidade e postos de saúde foram construídos e os cidadãos do município passaram e ver melhoradas suas condições de vida, nesse e em outros setores. Icapuí ficou conhecida até fora do país por práticas cidadãs e inclusivas. Vinte anos se passaram até que o povo resolveu mudar. E escolheu novas pessoas para governarem a cidade. 

Como nem tudo que muda é para melhor, a realidade está aí, batendo na nossa cara. Icapuí regrediu. Tia Neóbia morreu porque o único hospital de Icapuí não tem condições de internar uma pessoa! Por um instante, comparada com a Icapuí ainda distrito, a morte de tia Neóbia ocorreu porque vivemos problemas parecidos com os dos tempos do reinado da família dos Costa Lima. Diferente daqueles tempos, quando não havia a mínima estrutura de atendimento, assistimos ao desmonte do que existia. Culpa de quem?

Minha tia morreu e, entre os primeiros sentimentos difusos que afloraram, me veio a lembrança da eleição recente, quando Jerônimo, que é meu primo, se elegeu prefeito. Subtraídos o calor e a emoção da refrega eleitoral, e respeitando a opinião de quem foi contrário, fiquei a pensar: como alguém pode ter defendido a continuação do que aí está? Como pode alguém justificar tamanha incúria e irresponsabilidade com o que é público, com o que é da – e para – a coletividade?

Talvez por tudo isso a diferença na votação tenha sido tão grande. Mais do que uma resposta àqueles a quem cabia cuidar do povo, e que pouco fizeram da necessidade e da miséria alheia, a mudança de agora mandou um recado direto a Jerônimo e aos que o ladeiam. Como primo do prefeito eleito, posso dizer que ele é consciente da responsabilidade e da “batata quente”, no bom sentido, que lhe caiu nas mãos.

Não se trata aqui de transformar a minha tia em mártir de um discurso politizado ou torcedor. Claro, torço pra Icapuí voltar a sorrir. Não se pode perder de vista uma coisa: o que está em jogo é a VIDA das pessoas. E com a VIDA não se brinca. Boa sorte a Icapuí. 

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Um comentário:

Dr Edilson Ferreira disse...

Firmamos nossa solidariedade à família. Importante artigo, expressa a realidade com muita propriedade. Abraço Rubenizio.