domingo, 17 de outubro de 2010

Diário do Nodeste: Famílias temem avanço do mar

DESABRIGADOS

Famílias temem avanço do mar


17/10/2010
Alguns moradores do litoral cearenses estão preocupados com o avanço do mar, pois têm que deixar suas casas
Avanço da maré na Praia de Requenguela, em Icapuí. Família de pescador olha para o mar desolada e apreensiva
FOTOS: MELQUÍADES JÚNIOR

 Icapuí/Caucaia. É como se a história de que "o sertão vai virar mar" quisesse se concretizar. Mas se for esse o caso, milhares de moradores dos povos do mar estarão desabrigados. O mar avança sobre o litoral do Ceará. Principalmente nos primeiros meses do ano, a maré chega imponente e recua cada vez menos. "O mar ´tá´ engolindo tudo. Não bastasse ter pouco peixe, agora quer pescar a gente". Dona Gislene Pereira diz isso com a propriedade (ou drama) de quem mora "quase dentro", porque agora o mar bate à sua porta. E tem noites que, sem convite, até consegue entrar. O avanço do mar já provoca até mesmo uma atualização do mapa do Ceará, encolhendo o contorno. Em apenas 12 anos, sumiram 300 metros de Praia em Iparana, Município de Caucaia.

O passeio entre as praias de Peroba, Redonda e Ponta Grossa, em Icapuí, só é possível pela manhã e até por volta de 16 horas. Daí em diante o mar não deixa. E a cada ano a tendência é os espaços de praia diminuírem. No Município de Cascavel, ainda no Litoral Leste, o trabalho de "seu Dedé" é atravessar numa balsa os turistas que querem fazer um passeio de buggy nas dunas da comunidade de Barra Velha, na Praia de Águas Belas. Só de manhã muito cedo ainda se atravessa a seco, mas sem demora.



Para dona Gislene, o problema de quando o ano está perto do fim, é que fica próximo do ano seguinte. Janeiro, fevereiro e março são meses de tormenta, quando o mar bate à sua porta, uma visita que já "mandou embora" sua irmã, que morava na casa ao lado, na Praia de Barrinha. No início deste ano precisou levar os móveis para um prédio público, até a maré baixar. A poucos metros dali, um enfileirado de pedras de calcário tenta, com pouco sucesso, conter a fúria das águas. "Isso aí só tarda um pouco, mas resolver que é bom", diz reticente o pescador Gilson dos Santos, de 32 anos. Mora desde que nasceu no mesmo lugar, e não tem dúvida de que a praia sumiu.

O avanço do mar no Ceará deve mudar a conformação cartográfica, e até do letreiro do mercantil onde Gislene Pereira faz as compras: Mercadinho Maré Mansa. Nos meses de maré alta, fica difícil ancorar barco na Praia de Barrinha. Em janeiro deste ano, uma embarcação desprendeu-se e por pouco não foi perdida, não fosse a ação rápida dos pescadores. A maré alta expulsou moradores e espantou turistas.

Pousadas foram desativadas "porque a praia acabou", lamenta o pescador João Edmilson. A garotinha Suiane de Oliveira, de 7 anos, fez um trágico desenho: uma onda azul prestes a cobrir um prédio amarelo. É a escolinha onde estuda, cujo muro é "tranquilamente" alcançado pelas águas da maré nos meses mais críticos.

Causas
Por diversos motivos o mar avança no litoral cearense. As causas vão desde o movimento marítimo vindo do hemisfério norte aos fenômenos das mudanças climáticas

Especialistas listam os fatores que estariam causando o avanço do mar, notadamente em Caucaia e Icapuí. Os motivos vão desde o movimento marítimo vindo do hemisfério norte, os espigões e aterramentos de combate ao avanço do mar em Fortaleza aos fenômenos das mudanças climáticas. Em todos eles um fato explicativo: a lei da ação e reação, com especial participação do homem.

Os primeiros estudos sobre o tema estão concentrados no Instituto de Ciências do Mar (Labomar), da Universidade Federal do Ceará (UFC). Em Cascavel, mais precisamente na Praia da Caponga, estudos do pesquisador Eduardo Gentil apontam avanço de sete a oito metros por ano. O Ceará tem pelo menos sete áreas que mais sofrem com o avanço do mar. A média de avanço no Estado é de 0,60 metros a cada ano, muito aquém do que acontece em Icapuí, com áreas sofrendo avanço próximo de 10 metros ao ano.

A Prefeitura de Icapuí tem um projeto orçado em R$ 5 milhões para a construção de um paredão para proteger as comunidades do mar. Mas especialistas da Funceme afirmam que, além de paliativa, a medida pode ser dinheiro jogado no ralo.

Em Caucaia, que compreende, dentre outras, as praias de Iparana e Icaraí, houve um avanço significativo do mar: cerca de 300 metros em apenas 12 anos, uma média 2,5 vezes superior ao estado já crítico de Icapuí. Os espigões construídos em Fortaleza para amortizar a força das marés são apontados como um dos fatores do avanço do mar em Iparana. Construções urbanas irregulares também. E no aquecimento do planeta, que causa o derretimento das geleiras e aumenta o nível dos oceanos, o mar tem pedido espaço. Moral da história: no toma lá, dá cá, se o homem avança no mar, a natureza mede forças.

"Barra-mar" em Icaraí
Um "barra-mar" teve construção iniciada na Praia do Icaraí, em Caucaia, para conter o avanço do mar e promover uma "engorda" de praia. Aproveitando que neste período do ano há um maior intervalo de maré baixa. O projeto prevê a construção de uma escadaria com 11 degraus de concreto ao longo de 1.400 metros da orla. A construção deve durar até os primeiros meses de 2011, ao custo total de R$ 7,9 milhões. Os recursos são oriundos do Ministério da Integração Nacional. Um plano parecido de barramento do mar foi executado na região costeira do Distrito de Barra Nova, em Maceió (AL).

PROTAGONISTA

SUFOCO
MARINETE RODRIGUES
Dona-de-casa, mãe de duas crianças e um adolescente, Marinete Rodrigues mora a "um passo" do mar, na Praia de Barreiras, em Icapuí. Em 2009, sentiu a peleja de tirar a mobília de casa no meio da noite, "antes que o mar levasse". Um dia o mar era o horizonte que precisava correr para alcançar. "Tinha um 200 metros daqui pra ali". O mar fica bravo em início de ano. "É um olho em casa e o outro no quintal". O quintal é o mar. As ondas têm um som que não lhe sai do ouvido, mesmo que não queira. Se não houver solução até o próximo ano, praias como Barrinha, Requenguela e Ponta Grossa, em Icapuí, bem como Icaraí, no Município de Caucaia, merecerão a atenção da Defesa Civil. Já a defesa de Marinete começa pela vizinhança. Se o mar avançar com fúria, não falta vizinho que, se não estiver no mesmo problema, estará pronto para ajudar. Mas o sonho para o próximo ano é uma casa fora da praia.

CEARÁ
1ª usina de ondas da América Latina
São Gonçalo do Amarante Está previsto para começar ainda neste mês de outubro a geração de energia elétrica por meio da força das ondas do mar. A unidade ficará instalada no quebra-mar do Terminal de Múltiplas Utilidades (TMUT) do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP), Município de São Gonçalo do Amarante. Será a primeira usina deste tipo da América Latina.

O projeto tem investimento próximo de R$ 12 milhões, com recursos do programa de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias da Tractebel, aprovado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). O Governo do Estado do Ceará entra com uma contrapartida de R$ 1 milhão, em parceria com Universidade Federal do Ceará (UFC) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Avaliação
A usina deverá funcionar por três anos para avaliação da tecnologia que aproveita a regularidade dos ventos e a frequência das ondas do mar no litoral cearense para a produção de energia elétrica.

A produção de 100kW é equivalente ao consumo de 60 casas do padrão médio de consumo de energia elétrica no Estado. Já na fase de avaliação será aproveitada energia.

Comparada às demais fontes de energia renovável, a usina de ondas apresenta baixo impacto ambiental. Além de uma fonte limpa, não precisa represar a água. A usina de ondas funcionará com a ajuda de flutuadores que ficarão submersos no mar presos à usina por meio de dois braços metálicos.

Movimento
Com o movimento das ondas, esses blocos também se movem e produzem força para bombear a água do mar para reservatórios dentro da usina. A água terá sua pressão aumentada em uma câmara hiperbárica, assim o jato de água sairá do compartimento com uma força equivalente à de uma queda d´água de 500 metros de altura.

Atendimento
O jato move uma turbina, finalmente gerando a energia, em seguida transmitida para o sistema de distribuição. É assim que funcionará o sistema. Com mais de oito mil quilômetros de litoral, o Brasil tem potencial para atender 15% da demanda de energia elétrica por meio de usinas de ondas do mar. (MJ)


Fonte: Caderno Regional - Diário do Nordeste

Um comentário:

Marcelo Varandas disse...

Para este documentário é importante ler o artigo "Mudanças climáticas e os efeitos do comportamento da natureza no município de Icapuí" que fala a respeito do assunto em duas comunidades do município de Icapuí.