segunda-feira, 13 de junho de 2011

Crônica: REDONDA VISTA DO MAR

Escrito por Mari Silvestre



Sair pra velejar é maravilhoso! A alegria sempre toma conta da gente quando entramos na água e nadamos, enquanto o barco se aproxima aguardando que embarquemos. Depois tem todo o ritual de levantar o mastro, abrir o pano, ajeitar a escota, os sacos, colocar o leme, aguar o pano... E, repentinamente, o vento enche o pano e o barco desliza. Que sensação gostosa! O pano aberto é lindo e, olhando pra cima seu contraste com o céu azul nos faz sentir toda a beleza da intimidade com a natureza. Na relação do ser humano com o céu, o mar, o vento, o sol, há muito da dimensão do que é Deus.

Aos domingos é comum “correr” de bote. A Redonda se enfeita de velas pra cima e pra baixo, em passeios e correrias, onde participam principalmente jovens e crianças. Os orgulhosos donos das embarcações – geralmente são os filhos deles, dão demonstrações da destreza e da potência dos barcos. É bom ser redondeiro nessa hora! É bom ser redondeiro sempre!

Afastamo-nos do porto dos botes. O vento é franco, o dia é claro, o mar cada vez mais azul. Ou verde? Redonda começa a aparecer na sua totalidade. Lá estão todas as casinhas alinhadas ao longo da praia, que se curva sob a pressão dos morros brancos, em direção à Ponta Grossa. Olhar a Redonda do mar causa sensações! Explicar essas sensações é sempre foi um desafio, quando se tenta sair da contemplação e entender, racionalizar os sentimentos. O que vai surgindo a nossa vista é uma cidadezinha, um lugarejo perdido entre o céu e o mar. Mais um porto longínquo na imensidão da costa brasileira. É como uma pintura. E eu me lembro do Rui e do Neu que são especialistas em pintar a Redonda vista do mar.

Há uma impressão recorrente em mim: a paisagem e a vida que a anima. Pra quem não conhece a vida do lugar é difícil supor a imensa trama de relações que está contida nessa pequena paragem à beira-mar. Inquieta-me o contraste da simplicidade da paisagem com a complexidade das relações ali contidas. E me vem à mente as pessoas. Revejo as personagens, a condição de cada uma - que eu conheço bem os labores e os ócios diários, mesquinharias, grandezas e... quem sabe, os sonhos.

Enquanto o vento arroja a vela mais e mais “pra fora”, o azul da água se acentua e o “meu” pescador, ao leme do barco, parece feliz e despreocupado. Redonda é agora ainda menor, mais terras vão se descortinando; a oeste surge a enseada de Ponta Grossa e Retiro Grande numa linha enorme constituída de falésias até a ponta branca de Canoa Quebrada. A leste já avistamos o verde do coqueiral que limita Icapuí. Que beleza incomparável! É maravilhoso sentir o vento, quando ele não está muito “duro”!

O sentimento de ser pequeno diante de tudo isso é inevitável. Os humanos como formigas cheias de orgulho lançam-se em direção ao futuro sem perguntar o porquê. E o universo parece compactuar com a inconsciência humana. A certeza do amanhecer e do anoitecer e a regularidade dos ciclos naturais favorecem a acomodação e a fé.

A vida do redondeiro sempre foi simples porque a natureza é simples. O cheiro e o gosto do mar, a alta salinidade e o sol vão tatuando as marcas da vida marítima. As expressões fortes na tez morena, os cabelos queimados e em constante desalinho são o comuns por aqui. Mas não era disso que eu queria falar! Penso muito naqueles que chegam e veem esse povoado sem conhecer as relações que aqui se estabelecem. Esse pequeno povoado que parece adormecido na quentura, tem vida! Tem tramas e ligações à vezes tão inusitadas que chegam a parecer surreais. Tem o grupo Flor do Sol que se confunde com a falésia ao pintar o corpo de argila, bradando seus textos aos céus. Tem atores cotidianos, trágicos ou engraçados que fazem o folclore do lugar... tem tanta vida!

Redonda, Setembro/2003.

*enviado por e-mail

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