Por Reinaldo Azevedo
Análises políticas em um dos blogs mais acessados do Brasil / Veja
O
senador Humberto Costa (PE), líder do PT no Senado, não entende nada de
democracia ou de imunidade parlamentar. Então vamos lembrar a sua obra
na Saúde, em reportagem da VEJA de 26 de julho de 2006.
*
O caso da máfia dos sanguessugas já era, na semana passada, um dos
maiores escândalos de corrupção descobertos no país. Nada menos do que
57 parlamentares estavam sob suspeita de ter recebido suborno de uma
empresa de ambulâncias, a Planam, para destinar recursos do Orçamento
federal a prefeituras compradoras dos veículos. Na quinta-feira
passada, porém, descobriu-se que tanto o número de envolvidos no
esquema quanto o seu alcance haviam sido subestimados. Os parlamentares
acusados de participar da máfia dos sanguessugas ultrapassam uma
centena - o número exato é 112 -, e o Legislativo não é o único poder
atingido por ela. O rastro do suborno e do tráfico de influência
alcança também o Executivo federal - mais precisamente a porta do
gabinete do ex-ministro da Saúde Humberto Costa, hoje candidato ao
governo de Pernambuco pelo PT. As revelações foram feitas pelo
empresário Luiz Antônio Vedoin, um dos sócios da Planam, ao longo de
uma série de depoimentos sigilosos prestados à Justiça Federal nas duas
últimas semanas.
VEJA apurou
que, nessa série de depoimentos, Vedoin contou que, no início de 2003,
quando o presidente Lula baixou um decreto restringindo o pagamento de
débitos contraídos na gestão anterior, a Planam ficou sem ter como
receber uma dívida de 8 milhões de reais da qual era credora no
Ministério da Saúde. Assim, Vedoin e seu pai, Darci Vedoin, também
sócio da Planam, procuraram o então ministro da Saúde Humberto Costa
para tentar uma solução para o problema. Por meio de um amigo comum,
que fez a aproximação, os Vedoin encontraram-se com Costa, em seu
gabinete, em fevereiro daquele ano. O ministro, segundo Vedoin, disse
que não poderia liberar a verba, mas, no fim da reunião, apresentou
aos empresários seu chefe-de-gabinete, Antônio Alves de Souza, hoje
secretário de Gestão Estratégica do Ministério da Saúde. Segundo contou
Vedoin, Costa disse que Souza poderia estudar a possibilidade de
conseguir a liberação do pagamento.
No mês
seguinte, o dono da Planam foi procurado por um certo José Caubi Diniz.
Na conversa, que aconteceu durante uma feira de negócios em Brasília,
Diniz disse ter sido informado por Souza, o chefe-de-gabinete de Costa,
de que a Planam estava tentando obter seu pagamento do governo federal.
Afirmou que poderia conseguir a liberação do dinheiro. Para isso,
contaria com a ajuda do petista José Airton Cirilo, que, segundo ele,
teria grande influência junto ao ministro Humberto Costa. Cirilo,
integrante do Diretório Nacional do PT, foi presidente do partido no
Ceará, duas vezes prefeito da cidade de Icapuí e candidato a governador
do Ceará em 2002. Por indicação do presidente Lula, também participou
do governo federal: ocupou um dos postos de direção da Agência Nacional
de Transportes Terrestres (ANTT).
Dias depois
do encontro na feira de negócios, Vedoin e o pai - acompanhados de
Diniz e Cirilo - desembarcaram na ante-sala do gabinete de Humberto
Costa, no Ministério da Saúde. Lá, Cirilo despachou sozinho com o
ministro por cerca de duas horas. Ao fim da audiência, o petista disse
aos presentes que havia conseguido a liberação do dinheiro da Planam,
em quatro parcelas. No dia 1º de abril, assim que os Vedoin receberam o
primeiro pagamento, repassaram a Cirilo, conforme havia sido
combinado, 35.000 reais - a primeira parte de uma “comissão” que
totalizou 400.000 reais. O dinheiro, afirmou Vedoin, foi depositado na
conta de um sobrinho de Cirilo, chamado Raimundo Lacerda. Os
comprovantes dos depósitos foram entregues à Justiça. O esquema montado
pela quadrilha deu tão certo que Cirilo e Vedoin decidiram ampliá-lo.
Segundo o empresário, o dirigente petista disse que havia combinado com
o próprio ministro Humberto Costa a liberação de 30 milhões de reais
de recursos extra-orçamentários que seriam destinados à aquisição de
equipamentos hospitalares para municípios do interior. Para que a
Planam lucrasse com o negócio, bastaria ganhar fraudulentamente as
licitações, com a ajuda dos prefeitos, e, ao fim do processo, pagar 15%
de propina a Cirilo. A empresa de Vedoin chegou a efetuar algumas
vendas, mas o processo foi interrompido assim que começaram a ser
presos os primeiros envolvidos no esquema dos sanguessugas.
De acordo
com os depoimentos de Vedoin, o número de parlamentares suspeitos de
participar dos negócios escusos - que, segundo a Polícia Federal,
teriam movimentado pelo menos 110 milhões de reais desde 2001 - chega a
quase 20% do Congresso. VEJA reproduz nesta edição a lista completa
dos deputados e senadores apontados pelo empresário como participantes
daquele que é, provavelmente, o mais bem documentado escândalo de
corrupção da história do Brasil. Vedoin, em seus depoimentos, não se
limitou a indicar, um a um, os deputados e senadores que recebiam
propina de sua empresa - em geral, 10% do valor de cada emenda ao
Orçamento aprovada e liberada pelo governo federal. O empresário
forneceu à Justiça mais de uma centena de cópias de transferências
bancárias e depósitos - feitos ora em conta corrente de “laranjas”, ora
diretamente na conta de parlamentares e prefeitos. Sessenta prefeitos
foram acusados por Vedoin de participação no esquema dos sanguessugas.
Entre os 112
parlamentares acusados de integrar a máfia, há deputados que ganharam
sua propina em dinheiro vivo, outros que usaram parentes e funcionários
para ocultar o suborno e até os que receberam carros a título de
“comissão”. Um dos nomes que mais chamam atenção na relação apresentada
à Justiça por Vedoin é o do ex-deputado paulista pelo PPS Emerson
Kapaz - tanto pela robustez das provas apresentadas contra ele quanto
pelo espanto que causa a presença, numa lista como essa, de alguém que
sempre foi um defensor da ética na política e no mundo empresarial.
Hoje presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco),
Kapaz, empresário do ramo de plásticos, elegeu-se em 1998. O dono da
Planam contou que o então deputado apresentou emendas ao Orçamento
destinando 1,6 milhão de reais para compra de ambulâncias em dez
municípios. Desse montante, o governo liberou cerca de 1 milhão.
Segundo Vedoin, Kapaz tratou diretamente com os prefeitos beneficiados
para que as licitações para compra de ambulâncias tivessem como
vencedora a Planam. Vedoin apresentou à Justiça os números de dois
cheques que teriam sido usados para pagar a propina ao então deputado,
totalizando 52.000 reais. Segundo Vedoin, Kapaz pediu a ele que o
dinheiro fosse repassado por meio de uma operação triangular: num
primeiro momento, o dinheiro circulou em contas de empresas do próprio
Vedoin, por meio de cheques. Em seguida, foi transferido, segundo
Vedoin, a pedido de Kapaz, para cinco outras contas, em nome de firmas e
pessoas indicadas pelo ex-deputado, entre elas Laura Mosiasson, na
ocasião mulher de Kapaz. “Não tenho idéia de como meu nome possa estar
envolvido nessa história”, disse o ex-deputado. “Pelo que me lembro,
minhas emendas nem chegaram a ser liberadas”, afirmou a VEJA. Outro
nome que causa surpresa é o de Érico Ribeiro (PP-RS). Maior produtor de
arroz do Brasil, Ribeiro também foi acusado por Vedoin de cobrar
propina em troca de emendas. É curioso que um multimilionário possa ter
arriscado sua reputação em troca de alguns milhares de reais.
O esquema
dos sanguessugas só pôde alcançar essa dimensão depois de se infiltrar
no Ministério da Saúde. Para isso, contou com uma peça-chave: a
ex-funcionária da Planam Maria da Penha Lino, que, em agosto de 2005,
conseguiu ser nomeada assessora do ex-ministro Saraiva Felipe, então
titular da Saúde. Uma vez dentro do gabinete, Maria da Penha tratou de
agilizar a aprovação dos projetos da Planam e a execução de emendas que
interessavam à empresa. Como uma lobista foi nomeada tão facilmente
para assessora do ministro da Saúde? Em seu depoimento, o empresário
Luiz Antônio Vedoin explicou. De acordo com ele, o deputado José Divino
e o senador Ney Suassuna - citados na primeira lista de suspeitos de
envolvimento com a máfia das ambulâncias - chegaram a fazer ofícios ao
ministério recomendando a nomeação de Maria da Penha para o cargo.
Ainda segundo Vedoin, Saraiva Felipe foi receptivo à idéia. A nomeação
de Maria da Penha foi feita dentro da “cota” do ministro.
Vedoin
relatou todo o esquema à Justiça, com nomes, quantias e provas
materiais, em troca do benefício da delação premiada - que prevê
redução de pena para criminosos que colaborarem com as investigações.
Ele foi solto há duas semanas, depois de abrir o bico. Seus depoimentos
causam assombro ao revelar o grau de capilaridade que a máfia dos
sanguessugas alcançou, assim como a extensão do assalto que ela
perpetrou contra o Estado e o número de parlamentares acusados de
envolvimento nela. As revelações levam à triste constatação de que a
corrupção parece ter se instalado no Congresso como um cupinzal
subterrâneo. Ele se dissemina em velocidade atordoante, contaminando e
corroendo cada centímetro sadio que encontra pela frente. Em vez de
extingui-lo, cada nova eleição parece fortalecê-lo. Os cupins apenas se
revezam - e surgem com fôlego renovado. Pobre Brasil.
Fonte: Reinaldo Azevedo / Veja
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